O que a dermatologia já sabe e o que ainda investiga sobre canabidiol

O uso do canabidiol (CBD) na dermatologia vem ganhando relevância à medida que a ciência avança na compreensão do Sistema Endocanabinoide cutâneo e de seu papel na regulação da inflamação, da função de barreira e dos processos sensoriais da pele. Estudos pré-clínicos e investigações clínicas iniciais têm apontado o CBD como um composto bioativo com propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e moduladoras, despertando interesse crescente da dermatologia como uma estratégia terapêutica adjuvante em diferentes dermatoses.

Esse debate científico se insere em um momento importante para a saúde da pele. Durante o mês de dezembro, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) promove uma campanha nacional de conscientização sobre a prevenção do câncer de pele, o Dezembro Laranja. A iniciativa busca alertar a população sobre a importância da fotoproteção diária, do diagnóstico precoce e do acompanhamento regular com dermatologistas, especialmente em um país de alta exposição solar como o Brasil. Em um período marcado por férias, atividades ao ar livre e maior incidência de radiação ultravioleta, a campanha reforça sinais de alerta, orienta sobre hábitos de proteção e destaca que identificar precocemente lesões suspeitas é fundamental para reduzir complicações e mortalidade associadas ao câncer cutâneo.

Avanços científicos

Segundo a dermatologista e especialista em Canabinologia Dra. Juliana Bogado, esse avanço no conhecimento científico tem ampliado as possibilidades de integração do CBD à prática dermatológica. “À medida que entendemos melhor o papel do Sistema Endocanabinoide na regulação da inflamação, da diferenciação celular e da função de barreira da pele, o CBD passa a ser investigado como uma ferramenta terapêutica adjuvante, com potencial real em algumas dermatoses inflamatórias e sensoriais”, explica.

A especialista pondera que, embora os resultados observados até o momento sejam consistentes e animadores, o campo segue em evolução. “Há bons dados pré-clínicos, alguns ensaios clínicos pequenos e séries de casos, e o avanço das pesquisas tende a contribuir para a consolidação de indicações mais bem definidas, a partir de estudos maiores, padronizados e de longo prazo.”

Em quais condições dermatológicas o CBD tem sido mais estudado?

Entre as condições que concentram maior volume de evidência científica inicial estão a dermatite atópica, o prurido crônico e a acne leve a moderada. Nesses quadros, os estudos sugerem efeitos anti-inflamatórios, antipruriginosos e sebostáticos, especialmente quando o CBD é utilizado por via tópica.

“Em dermatite e eczema, a melhora do prurido e da sensação de inflamação costuma ser observada relativamente rápido, sobretudo com formulações tópicas bem desenvolvidas”, afirma a Dra. Juliana. No caso do prurido crônico, inclusive aquele associado a alterações neurossensoriais ou a doenças sistêmicas, os dados iniciais apontam para um efeito antipruriginoso consistente.

Na acne, a base científica vem principalmente de estudos laboratoriais, que demonstram a capacidade do CBD de reduzir a produção sebácea e modular vias inflamatórias dos sebócitos. Já em condições como psoríase e rosácea, há plausibilidade mecanística, mas ainda poucos estudos clínicos consistentes.

Como o CBD atua na pele?

A atuação do CBD na pele é considerada multifatorial. Ele interage com componentes do sistema endocanabinoide cutâneo e com outros receptores e canais envolvidos na homeostase local. Entre os mecanismos descritos na literatura estão a modulação da inflamação, a redução de citocinas pró-inflamatórias, a influência sobre a secreção sebácea e a atenuação do estresse oxidativo.

“O CBD modula vias inflamatórias importantes, reduz citocinas como IL-1β, TNF-α e IL-6, interfere na ativação de queratinócitos e células imunes, além de atuar em vias sensoriais relacionadas ao prurido”, explica a especialista. Há também dados pré-clínicos que sugerem ação antimicrobiana e antibiofilme, além de efeitos antioxidantes locais.

Essa multiplicidade de ações é justamente o que torna o CBD um objeto de interesse científico, mas também reforça a necessidade de cautela na extrapolação dos resultados para a prática clínica.

O CBD substitui tratamentos dermatológicos convencionais?

De forma clara: não. O CBD não deve ser encarado como substituto de tratamentos dermatológicos consagrados. “Ele pode ajudar a reduzir sintomas persistentes ou atuar como adjuvante, mas não substitui corticosteroides, imunomoduladores, antibióticos, retinoides ou terapias biológicas quando essas são indicadas”, destaca a Dra. Juliana Bogado.

Em doenças dermatológicas graves ou extensas, o padrão-ouro terapêutico permanece inalterado. O CBD pode, em alguns casos selecionados, integrar um plano terapêutico mais amplo, sempre baseado na gravidade do quadro, na evidência científica disponível e no acompanhamento médico.

Como o CBD costuma ser utilizado na dermatologia?

Na prática, os protocolos descritos na literatura utilizam predominantemente o CBD tópico, em formulações como cremes, géis, loções ou pomadas. A qualidade da formulação é um fator crítico, já que estabilidade, penetração cutânea e biodisponibilidade influenciam diretamente os resultados.

“Tecnologias como nanoemulsões e hidrogéis têm sido estudadas para melhorar a entrega cutânea do CBD”, explica a dermatologista. Em situações específicas, como pruridos sistêmicos ou quadros associados à dor e ansiedade, a via oral pode ser considerada, mas exige cautela redobrada devido à absorção sistêmica e às possíveis interações medicamentosas.

Benefícios relatados e perfil de segurança

Entre os benefícios mais frequentemente relatados pelos pacientes estão alívio do prurido, redução da vermelhidão, sensação de conforto cutâneo e melhora da hidratação. Em alguns casos, a redução do prurido noturno impacta positivamente o sono.

Do ponto de vista da segurança, o CBD tópico é geralmente bem tolerado. Reações adversas costumam estar relacionadas aos excipientes das formulações, e não ao CBD em si. O maior risco, segundo a especialista, está na procedência dos produtos. “Produtos sem laudos confiáveis podem conter contaminantes ou traços de THC acima do permitido”, alerta.

Por isso, a recomendação é evitar produtos sem certificação laboratorial e não utilizar CBD em gestantes, lactantes ou em lesões suspeitas sem avaliação médica.

Dezembro Laranja: um alerta necessário

No contexto do Dezembro Laranja, campanha de prevenção ao câncer de pele, a Dra. Juliana Bogado reforça um ponto fundamental: o CBD não previne nem trata câncer de pele.

“Protetor solar, fotoproteção adequada e consultas regulares ao dermatologista continuam sendo as principais estratégias de prevenção. Nenhum cosmético, incluindo produtos com CBD, deve ser aplicado sobre lesões suspeitas sem diagnóstico médico”, enfatiza.

O avanço da pesquisa em canabinoides na dermatologia é promissor, mas deve caminhar lado a lado com evidência científica de qualidade, regulação clara e uso responsável. Informação, nesse contexto, é sempre a melhor forma de cuidado.

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