Canabidiol no manejo da dor ortopédica: o que revela estudo sobre percepções e uso entre pacientes
O uso de canabidiol (CBD) vem crescendo nos Estados Unidos como alternativa para manejo da dor, especialmente em um cenário de crise opioide. Embora outras áreas médicas já tenham explorado seu papel terapêutico, a ortopedia ainda carece de dados sobre quem usa CBD, por quê e como os pacientes enxergam essa opção de tratamento.
O estudo Cannabidiol Perceptions and Use in the Orthopaedic Patient Population, conduzido no Houston Methodist Hospital, com 500 pacientes ortopédicos, buscou preencher essa lacuna ao investigar:
- frequência de uso atual ou prévio de CBD,
- percepção da eficácia para dor,
- barreiras de acesso e dúvidas dos pacientes,
- diferenças entre tipos de procedimentos e perfis demográficos.
Os achados revelam um cenário em que a demanda por alternativas não opioides é alta. E a percepção sobre o CBD é amplamente positiva, ainda que existam barreiras importantes de acesso e evidência clínica.

Principais achados do estudo
1. O uso de CBD é mais comum na ortopedia do que na população geral
Enquanto estimativas nacionais indicam que cerca de 14–30% dos adultos americanos já utilizaram CBD, 41,8% dos pacientes ortopédicos da amostra relataram uso prévio, com variações por tipo de procedimento (19% a 63%).
Os grupos com maior frequência de uso incluíram:
- Artroscopia de quadril – 62,96%
- Artroscopia de joelho e ombro – cerca de 40%
- Artroplastia total – 41,46%
Esses números refletem um padrão: quanto maior o histórico de dor crônica ou persistente, maior a probabilidade de o paciente ter buscado CBD.
Pacientes que buscaram CBD também exibiram níveis mais altos de dor no mês anterior à cirurgia, mostrando que a busca pela substância está associada a quadros de dor mais prolongados.
2. Por que os pacientes usam CBD?
Entre os que já utilizaram CBD, os motivos mais frequentes foram:
- Manejo da dor: 79,43%
- Busca por alternativa ao tratamento atual: 58,81%
- Estresse: 30,14%
- Ansiedade/depressão: 17,22%
- Uso recreativo: 20,10%
- Sono: 7,18%
- Durante tratamento oncológico: 1,91%
A dor é, de longe, o principal fator. O que se alinha aos dados nacionais que mostram crescente insatisfação com analgésicos convencionais ou com seus efeitos adversos.
3. Entre quem nunca usou, o problema central é acesso e informação
Dos pacientes que nunca usaram CBD, os motivos mais citados foram:
- Não saber como obter CBD: 42,76%
- Falta de familiaridade com o produto: 37,24%
- Preocupações com segurança e eficácia: 44,90% desejariam mais evidências
- Desejo por CBD prescrito por um médico: 61,22%
A associação com “maconha” ou estigma apareceu com muito menos frequência, contrariando a ideia de que o preconceito seria o maior obstáculo.
A mensagem dos dados é clara. Os pacientes estão abertos a usar CBD, mas querem produtos regulados, prescritos e respaldados por estudos clínicos.
4. A percepção do CBD é majoritariamente favorável
Mais de 80% de todos os pacientes concordaram que o CBD pode ser eficaz para manejo da dor e que estariam abertos a utilizá-lo no período perioperatório ou em outras situações dolorosas.
Esse dado é importante para médicos ortopedistas, pois:
- indica alta aceitação por parte dos pacientes,
- aponta para potencial adesão a protocolos multimodais que incluam CBD,
- reforça a necessidade de informações padronizadas e orientações seguras.
O único subgrupo sem diferença estatística quanto à percepção de eficácia foi o de reparo de fraturas, possivelmente devido ao perfil de dor mais aguda.
5. Efeitos adversos e limitações da evidência atual
O artigo reforça que:
- O CBD é geralmente bem tolerado em ensaios clínicos.
- Principais efeitos adversos incluem: boca seca, sedação, euforia, fome, hiperemia conjuntival e diarreia (maioria relacionados ao THC).
- Pode interagir com medicamentos metabolizados pelo fígado.
A maior limitação atual é a falta de:
- formulações farmacêuticas de CBD aprovadas para dor,
- padronização de doses e duração do tratamento,
- ensaios clínicos randomizados de grande porte.
Segundo os autores, não há estudos comparando CBD com opioides no pós-operatório ortopédico, o que cria uma lacuna relevante, especialmente dada a atual crise de opioides.
O que esses achados significam para a prática ortopédica?
O estudo sugere que:
- A demanda por alternativas não opioides é real e crescente.
- Os pacientes confiam no CBD mesmo com pouca padronização e expressam forte interesse em opções prescritas.
- Há um espaço claro para estudos clínicos que avaliem segurança, eficácia, dosagem e impacto no uso de opioides.
- O ortopedista deve estar preparado para orientar o paciente, uma vez que a falta de informação é uma barreira mais relevante que o estigma.
Para profissionais que trabalham com dor, reabilitação e perioperatório, esse tipo de dado pode ajudar a melhorar a comunicação com o paciente, orientar escolhas terapêuticas mais seguras, refletir sobre novas estratégias multimodais, e acompanhar a evolução regulatória em torno do CBD.
Conclusão
O estudo do JBJS Open Access mostra que o uso de CBD entre pacientes ortopédicos é mais alto do que na população geral, motivado principalmente pela busca de alternativas para o manejo da dor. A percepção de eficácia é amplamente positiva, mas ainda há barreiras relacionadas à falta de evidências robustas, ausência de formulações reguladas e pouca orientação médica.
Os autores defendem que ensaios clínicos randomizados de grande escala são urgentes, especialmente diante da necessidade de formas seguras de reduzir o uso de opióides no perioperatório ortopédico.
Em síntese, embora o CBD ainda careça de evidências clínicas robustas e formulações farmacêuticas específicas para dor, os dados deste estudo reforçam sua importância crescente como potencial aliado no manejo multimodal da dor ortopédica. A combinação entre alta aceitação dos pacientes, perfil de segurança favorável e necessidade urgente de alternativas não opioides coloca o CBD como um campo prioritário para pesquisa e desenvolvimento clínico. À medida que novos ensaios controlados forem conduzidos e barreiras regulatórias forem superadas, o CBD pode se tornar uma ferramenta terapêutica valiosa para ortopedistas e profissionais envolvidos no cuidado da dor, contribuindo para práticas mais seguras, eficazes e alinhadas às demandas contemporâneas dos pacientes.

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