Epilepsia refratária: o desafio global de acesso aos canabinoides em 2025
Mesmo após anos de pesquisas e conquistas regulatórias, o acesso ao canabidiol (CBD) no tratamento da epilepsia refratária ainda é privilégio de poucos. Enquanto famílias em todo o mundo lutam para obter o medicamento que pode reduzir crises e transformar vidas, o alto custo, a burocracia e as desigualdades econômicas seguem travando o caminho até o tratamento. É o que revela o recente artigo científico “Availability and affordability of cannabinoids for epilepsy treatment across different geographic settings – A survey from the ILAE Plant- Based Therapy Task Force”, publicado este ano na revista Epilepsia.
O estudo, conduzido pela International League Against Epilepsy (ILAE), mapeou a disponibilidade e o custo dos medicamentos à base de CBD em 86 países e mostrou que o cenário global ainda é marcado por profundas disparidades. Apenas 32 nações (37,2%) possuem aprovação regulatória formal para o uso medicinal do canabidiol em epilepsia. E quase 70% delas são países de alta renda.

Um panorama desigual: regulação e acesso
Entre os países que aprovaram o uso do CBD, o estudo destaca medicamentos farmacêuticos como Epidiolex (EUA) e Epidyolex (Europa), voltados especialmente para síndromes raras e graves, como Dravet, Lennox-Gastaut (LGS) e complexo de esclerose tuberosa (TSC). Essas aprovações representam um marco científico e regulatório, sobretudo para crianças que não respondem a outras terapias.
Contudo, mesmo entre essas nações, o acesso real permanece restrito. Apenas 25% dos países com aprovação relataram ter acesso facilitado ao tratamento com canabinoides. As principais barreiras incluem o alto custo dos medicamentos, a burocracia na prescrição e a falta de cobertura por sistemas públicos de saúde ou planos privados.
Nos países de baixa e média renda, que representam 62,7% do total analisado, a ausência de regulamentação formal é a regra. Nesses locais, pacientes e familiares frequentemente recorrem à importação individual, ao uso judicializado ou a produtos artesanais, muitas vezes sem controle de qualidade. O Brasil, por exemplo, segue esse padrão: o processo exige laudos médicos, termos de consentimento e acompanhamento contínuo.
Outro ponto de alerta do estudo é o mercado paralelo. Cerca de 39,5% dos países relataram a venda livre de produtos à base de canabinoides não regulamentados, sem prescrição médica. Essa realidade amplia os riscos de contaminação e compromete a segurança terapêutica, uma vez que as concentrações de CBD e THC variam amplamente entre os produtos.
Custo e burocracia: os principais obstáculos
O custo do tratamento é apontado pelos autores como o principal entrave. Medicamentos como Epidiolex e Epidyolex, embora eficazes e seguros, têm preço elevado – e o valor aumenta proporcionalmente à dose. A faixa recomendada, entre 2,5 mg e 20 mg/kg/dia, pode representar um custo mensal inviável para famílias sem apoio financeiro ou cobertura pública.
Além disso, existe uma burocracia a ser seguida associada à prescrição e à importação. Em muitos países, inclusive o Brasil, a prescrição exige médico especialista, documentação extensa e aprovação individual. O tempo médio entre o pedido e o recebimento do medicamento pode ultrapassar meses, o que impacta diretamente o controle das crises.
Como sintetiza Kollencheri Puthenveettil Vinayan, autor principal do estudo: “O caminho até o frasco de CBD é tortuoso, e muitas vezes excludente.”
Eficácia e segurança: o que dizem os dados
Apesar dos entraves, os resultados clínicos do CBD farmacêutico são consistentes. De acordo com meta-análises incluídas na revisão da Epilepsia, o tratamento reduz em média 41% das crises convulsivas em pacientes com epilepsia farmacorresistente, enquanto o grupo placebo apresenta redução de apenas 18%.
Em muitos casos pediátricos, a melhora supera 50%, tornando o canabidiol uma alternativa importante para pacientes que não respondem a outras terapias anticonvulsivantes. Além da redução das crises, há melhorias na qualidade de vida, com relatos de melhor sono, maior interação social e retomada de atividades cotidianas. Ali Akbar Asadi-Pooya, coautor do artigo, destaca que “para muitos pacientes, o canabidiol representa não apenas um tratamento, mas a chance de recuperar a rotina. Algo que parecia impossível.”
Os efeitos adversos relatados incluem alterações no apetite, fadiga e diarreia, geralmente leves e controláveis com ajuste de dose e monitoramento médico. O estudo reforça que o acompanhamento clínico é essencial para garantir segurança e eficácia.
Desinformação e lacunas de conhecimento
Outro desafio apontado é a falta de clareza conceitual entre os próprios profissionais de saúde. Muitos confundem os termos “cannabis medicinal”, “canabinoides” e “canabidiol”, o que dificulta a prescrição adequada e o diálogo com pacientes. Essa lacuna educacional reforça a importância de programas de formação e atualização médica, capazes de orientar sobre indicações, interações medicamentosas e critérios de segurança.
Caminhos para o futuro: políticas e inclusão
A pesquisa da Epilepsia aponta que o avanço no acesso ao CBD depende de uma combinação de fatores: pressão internacional, inovação regulatória e envolvimento ativo das famílias e associações de pacientes.
Entidades como a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) e o Bureau Internacional para Epilepsia (IBE) são citadas como fundamentais na promoção de políticas públicas mais justas e na harmonização das regulamentações. O estudo também destaca a importância de incluir pacientes e cuidadores no debate sobre financiamento e distribuição. Essa é uma forma de transformar a experiência individual em motor de mudança coletiva.
Um dos caminhos promissores é o CBD sintético, já aprovado de forma condicional na Índia. A produção sintética pode reduzir custos e contornar barreiras legais associadas ao uso de canabinoides, ampliando o acesso a países com restrições mais severas.
Os autores concluem que a construção de um sistema de acesso equitativo exige cooperação internacional, transparência de dados e participação multidisciplinar. E isso envolve médicos, gestores públicos e famílias.
Conclusão
O artigo da Epilepsia (2025) evidencia que, apesar dos avanços científicos, o acesso ao canabidiol para epilepsia refratária ainda é desigual, burocrático e caro. A terapia com CBD já mostrou eficácia comprovada e segurança, mas seu potencial de transformação depende de políticas públicas inclusivas, educação médica sólida e compromisso coletivo com o acesso justo.

Respostas