Canabinoides na cirurgia dermatológica: aplicações clínicas e perspectivas

Nos últimos anos, a dermatologia cirúrgica tem se beneficiado de pesquisas que exploram terapias inovadoras para dor, inflamação e cicatrização. Entre essas alternativas, os canabinoides vêm ganhando destaque, especialmente pela interação direta com o sistema endocanabinoide da pele, responsável por regular funções essenciais como inflamação, prurido e reparação tecidual. Compostos como o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) demonstram potencial clínico relevante no contexto cirúrgico, como detalhado no artigo científico Cannabinoids in Dermatologic Surgery, publicado na revista Journal of the American Academy of Dermatology.

Neste texto, vamos detalhar o assunto, destacando que o CBD, em especial, tem se mostrado eficaz na redução da dor, sem os riscos de dependência associados aos opióides. Enquanto o THC, em doses controladas, pode contribuir para a melhora do sono, fator crucial para a reparação tecidual. Além disso, os efeitos antipruriginosos se tornam relevantes para prevenir manipulação da ferida pelo paciente e reduzir risco de infecção.

O sistema endocanabinoide na pele

O sistema endocanabinoide cutâneo está presente em queratinócitos, fibras nervosas, glândulas sebáceas e células imunológicas. Sua ativação pelos canabinoides pode modular a inflamação, reduzir estímulos dolorosos, controlar o prurido e favorecer a reparação tecidual.

Na prática cirúrgica, esses efeitos são especialmente importantes em procedimentos como excisões, cirurgias reconstrutivas, enxertos e intervenções estéticas, nos quais o controle da dor e a cicatrização adequada são fatores determinantes para o desfecho clínico.

Canabinoides e manejo da dor

O controle da dor é um dos pontos centrais na cirurgia dermatológica. Tradicionalmente, analgésicos e anti-inflamatórios sistêmicos são prescritos, mas seu uso pode trazer efeitos adversos, sobretudo em tratamentos prolongados.

O CBD tem se mostrado eficaz na redução da dor pós-operatória, com perfil de segurança favorável e sem risco de dependência associado aos opióides. Já o THC, quando utilizado em doses controladas, pode auxiliar na melhora do sono: fator crítico para a reparação tecidual e recuperação adequada após a cirurgia.

Evidências clínicas em cirurgia dermatológica

Estudos recentes relatam que o uso tópico de canabinoides pode contribuir para:

  • Redução da dor pós-operatória, em especial em procedimentos que envolvem incisões maiores;
  • Controle do prurido, comum em fases de cicatrização;
  • Cicatrização mais eficiente, com menor risco de inflamação prolongada ou deiscência de sutura;
  • Potencial redução da necessidade de analgésicos opioides ou anti-inflamatórios sistêmicos.

Cicatrização e canabinoides

Estudos recentes destacam os mecanismos dos canabinoides na cicatrização de feridas, com ênfase na promoção da fibrogênese e reepitelização. Os receptores CB1R e CB2R, amplamente presentes na pele humana, são fundamentais nesse processo. Modelos murinos mostram que a ativação do receptor CB2 acelera o fechamento de feridas e reduz a inflamação. Em humanos, relatos documentam que CBD tópico beneficia pacientes com epidermólise bolhosa, acelerando a cicatrização e diminuindo bolhas e dor. Além disso, estudos reforçam a eficácia do CBD tópico em dermatologia, com melhora de cicatrizes e sintomas em psoríase e dermatite atópica. 

CBD para inflamação da pele?

Os canabinoides, especialmente o CBD, vêm ganhando destaque pela redução da inflamação em dermatologia. Estudos mostram ação imunomoduladora em queratinócitos e sebócitos, além de efeitos anti-inflamatórios dose-dependentes em modelos de dermatite atópica. A ausência dos receptores CB1R/CB2R agrava a inflamação cutânea, enquanto sua ativação reduz marcadores inflamatórios, inclusive pela inibição da via NF-kB. Relatos sugerem benefícios em psoríase, dermatite atópica e eczema, principalmente em casos resistentes.

Dor cutânea: canabinoide é calmante?

A literatura sobre dor cutânea é contraditória, especialmente em dor aguda. Estudos em cirurgia ortopédica mostram que usuários crônicos de canabinoides podem apresentar mais dor e pior sono no pós-operatório. Já em dor crônica e neuropática, o potencial é mais robusto: há indicações de alívio prolongado com THC/CBD em modelos animais, e estudos apontaram melhora da dor e do sono com a substância inalatória. Além disso, a combinação com opioides reduz a dose e eventos adversos. 

Canabinoides e câncer de pele

Pesquisas de CBD em câncer de pele mostram que células de melanoma expressam receptores CB1R/CB2R, cuja ativação reduz o crescimento tumoral in vitro e in vivo. Estudos em modelos murinos revelam que THC e CBD diminuem a viabilidade e a angiogênese tumoral, promovendo autofagia e apoptose. O CBD pode melhorar a mobilidade e a sobrevida, embora a cisplatina seja mais eficaz. Contudo, tumores sem expressão de CBRs não respondem ao efeito antitumoral, e a imunossupressão dos canabinoides pode prejudicar respostas a imunoterápicos. Faltam ensaios clínicos em humanos, reforçando o papel adjuvante, não curativo.

Interações medicamentosas e uso na prática

Os canabinoides, incluindo o CBD, são metabolizados pelo sistema enzimático citocromo P450, o que potencializa interações farmacológicas em dermatologia. Relatos apontam alterações nos níveis de tacrolimus e aumento do INR em pacientes que utilizam warfarina, além de possíveis efeitos em medicamentos como oxymorphone, pentobarbital e aminas simpatomiméticas. Nem todas as formulações apresentam o mesmo perfil de interação, exigindo atenção ao tipo de extrato utilizado. Pacientes idosos e polimedicados demandam vigilância redobrada, pois o risco de complicações aumenta. A ausência de diretrizes clínicas robustas reforça a importância de investigar o uso de canabinoides antes de procedimentos dermatológicos.

Segurança e limitações

O perfil de segurança dos canabinoides, especialmente em formulações tópicas, tem se mostrado favorável, com efeitos adversos leves e pouco frequentes. Contudo, os autores do artigo ressaltam que a maior parte dos estudos ainda apresenta amostras pequenas e metodologias heterogêneas.

Assim, são necessários ensaios clínicos randomizados e protocolos padronizados para definir com precisão doses, formas de administração e tempo de uso, a fim de consolidar o papel dos canabinoides em protocolos de cirurgia dermatológica.

Avanços

Os canabinoides representam uma estratégia inovadora para o manejo da dor, inflamação e cicatrização em cirurgia dermatológica. Embora ainda haja desafios regulatórios e lacunas científicas, o potencial clínico é promissor e pode transformar a prática médica nos próximos anos.

Para profissionais da saúde, acompanhar esses avanços é essencial para avaliar criticamente as evidências e preparar-se para integrar a canabinologia como adjuvante em procedimentos dermatológicos, sempre de forma ética e baseada em ciências.

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