Canabidiol no câncer de pâncreas: o que revela um estudo experimental sobre mecanismos celulares
O adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) é uma das neoplasias mais agressivas da oncologia atual, apresentando taxa média de sobrevida em cinco anos em torno de 12%. Mesmo com os avanços da quimioterapia, os resultados clínicos permanecem limitados, especialmente nos estágios localmente avançados e metastáticos da doença. Esse cenário tem estimulado a busca por estratégias adjuvantes que possam ampliar a resposta terapêutica, como o canabidiol (CBD).
Nesse contexto, um estudo publicado em maio de 2024 no Journal of Cannabis Research investigou os mecanismos citotóxicos do canabidiol em modelos experimentais de câncer pancreático, com foco na modulação do metabolismo de ceramidas e na ativação de vias de estresse celular.

Objetivo do estudo
O objetivo principal da pesquisa foi avaliar como o CBD induz citotoxicidade em células de PDAC, identificando o papel da ceramide synthase 1 (CerS1) e sua relação com a ativação do estresse do retículo endoplasmático (ER stress). Estudos anteriores já sugeriam que canabinoides poderiam estimular a síntese de ceramidas — lipídios bioativos envolvidos em apoptose e autofagia —, porém os mecanismos moleculares específicos ainda não estavam completamente caracterizados.
Metodologia
O estudo utilizou abordagens in vitro e in vivo, incluindo:
- Análise da expressão gênica das isoformas da ceramide synthase (CerS1–CerS6) por PCR em tempo real
- Avaliação da expressão proteica de marcadores do estresse do retículo endoplasmático (GRP78, ATF4 e CHOP) por Western blot
- Silenciamento gênico de CerS1 e GRP78 por siRNA para investigação mecanística
- Modelos murinos de PDAC com xen enxertos tratados com CBD isoladamente e em associação à gemcitabina
- Avaliações por histologia, imunohistoquímica e citometria de fluxo
Principais resultados
Os resultados demonstraram que o tratamento com CBD promoveu aumento significativo da expressão da CerS1, enzima responsável pela síntese de ceramidas de cadeia longa (C18), associadas a efeitos pró-apoptóticos.
Essa regulação levou à ativação da via GRP78 / ATF4 / CHOP, um dos eixos da resposta ao estresse do retículo endoplasmático (UPR – unfolded protein response). A ativação prolongada dessa via está associada à indução de apoptose quando a célula tumoral não consegue restaurar a homeostase do retículo endoplasmático.
O silenciamento da CerS1 por siRNA reduziu de forma significativa os efeitos citotóxicos do CBD, indicando que a ação do canabidiol depende da integridade dessa via molecular específica.
Achados em modelos animais
Nos modelos murinos de câncer pancreático, os pesquisadores observaram que:
- O CBD modulou o crescimento tumoral quando administrado isoladamente
- A associação entre CBD e gemcitabina resultou em maior redução do crescimento tumoral em comparação à quimioterapia isolada
- A melhora na sobrevida não foi observada em todos os modelos, especialmente naqueles em que não houve aumento da expressão de CerS1
Esses achados indicam que a resposta ao CBD pode ser dependente do perfil biológico do tumor, incluindo sua capacidade de ativar vias específicas de estresse celular.
Interpretação dos autores
De acordo com os autores, o estudo fornece evidências de que o canabidiol pode induzir citotoxicidade em células de câncer pancreático por meio da síntese de ceramidas e ativação do estresse do retículo endoplasmático, com papel central da CerS1. O CBD atua como um indutor de estresse celular que, quando excede a capacidade adaptativa da célula tumoral, contribui para a ativação de vias apoptóticas.
Os autores destacam que os canabinoides podem atuar como agentes adjuvantes às terapias convencionais, embora reforcem a necessidade de mais estudos in vivo e de ensaios clínicos para avaliar segurança, eficácia e aplicabilidade clínica.
Limitações do estudo
- Trata-se de um estudo pré-clínico, baseado em modelos celulares e animais
- Não envolve ensaios clínicos em humanos
- Não permite estabelecer recomendações terapêuticas diretas
- Os resultados podem variar conforme o subtipo tumoral e o microambiente do câncer
Considerações finais
Este estudo contribui para o aprofundamento da compreensão dos mecanismos moleculares do CBD no câncer de pâncreas, oferecendo uma base científica relevante para pesquisas futuras. Apesar dos resultados promissores em nível experimental, o uso do canabidiol em oncologia ainda deve ser considerado experimental, restrito ao contexto de pesquisa ou a decisões clínicas altamente individualizadas, sempre fundamentadas em evidência científica e em conformidade com as normas regulatórias vigentes.
As informações apresentadas baseiam-se em estudo experimental pré-clínico e não substituem a avaliação médica nem configuram recomendação terapêutica.

Respostas