Ilhas de calor urbanas: como o calor extremo afeta a fisiologia humana e aumenta os riscos clínicos
As últimas semanas trouxeram temperaturas recordes e uma virada brusca de clima em várias regiões do Brasil, reacendendo um alerta importante: as cidades estão ficando cada vez mais quentes. E isso não é apenas desconfortável, é um risco concreto para a saúde pública. Nesse cenário, as ilhas de calor urbanas tornam-se protagonistas silenciosas.
Entender como o calor extremo altera a fisiologia humana é essencial para que profissionais de saúde identifiquem sinais precoces de risco, ajustem condutas e orientem seus pacientes com segurança.

O que são ilhas de calor urbanas?
As ilhas de calor são áreas densamente construídas onde as temperaturas chegam de 5°C a 10°C acima das zonas verdes. Isso ocorre devido à combinação de concreto, asfalto, ausência de vegetação, alto fluxo de veículos e baixa circulação de vento. Estudos clássicos de climatologia urbana, como o do climatologista Timothy Richard Oke, demonstram que regiões centrais de grandes cidades podem ter variações térmicas de até 9,5°C em relação a áreas arborizadas próximas.
Essa concentração de calor intensifica ondas de calor já previstas pelas mudanças climáticas. E explica por que muitos brasileiros sentiram o impacto da virada de tempo mais fortemente em regiões centrais, comparadas a bairros com maior arborização.
Como o calor extremo altera a fisiologia humana
O organismo humano trabalha continuamente para manter uma temperatura interna segura. Em ambientes muito quentes, porém, esse equilíbrio se rompe. Entre os principais mecanismos afetados estão:
1. Sobrecarga da termorregulação
O corpo aciona vasodilatação periférica e sudorese para dissipar o calor, mas em ambientes muito quentes e úmidos esses mecanismos se tornam ineficientes. Quando a evaporação do suor falha, a temperatura central pode subir rapidamente.
2. Estresse cardiovascular
Para perder calor, o coração precisa bombear mais sangue para a pele. Isso aumenta:
– frequência cardíaca,
– demanda miocárdica,
– risco de isquemia em pacientes vulneráveis.
Estudos como os de Bouchama & Knochel, publicados no The New England Journal of Medicine, mostram que o esforço cardiovascular imposto pelo calor extremo é comparável ao de um exercício físico moderado.
3. Risco de hipertermia
Quando o corpo ultrapassa 40°C, começam a surgir sinais de disfunção neurológica:
– confusão mental,
– alteração de comportamento,
– convulsões.
A hipertermia grave é uma emergência médica com alta mortalidade.
5. Desequilíbrios hidroeletrolíticos
A perda excessiva de água e eletrólitos pode causar:
– hiponatremia,
– hipocalemia,
– rabdomiólise,
– arritmias.
6. Impactos respiratórios
O ar quente e poluído das cidades aumenta a irritação das vias aéreas e pode agravar quadros de:
– asma,
– DPOC,
– bronquite crônica.
Pesquisas publicadas na Nature Climate Change relacionam ondas de calor a aumento significativo de internações respiratórias.
Populações mais vulneráveis
Alguns grupos são particularmente sensíveis ao calor extremo:
- Idosos, que têm menor eficiência termorregulatória.
- Crianças pequenas, especialmente lactentes.
- Pacientes cardiovasculares, hipertensos e diabéticos.
- Pessoas em uso de antidepressivos, antipsicóticos ou anticolinérgicos, que alteram a resposta térmica.
- Trabalhadores ao ar livre.
- Moradores de áreas sem arborização, onde a dissipação térmica é menor.
O que profissionais de saúde precisam observar
O aumento de temperatura urbana exige um olhar clínico mais atento. Entre as ações recomendadas:
- Reconhecer precocemente sinais de exaustão pelo calor (taquicardia, fraqueza, tontura).
- Diferenciar hipertermia de febre infecciosa.
- Ajustar doses de diuréticos, betabloqueadores e anticolinérgicos em períodos de calor extremo.
- Orientar hidratação adequada e pausas para descanso.
- Identificar risco ampliado em pacientes psiquiátricos e idosos institucionalizados.
A prática clínica moderna precisa integrar variáveis ambientais, e o clima é hoje uma das mais determinantes.
E onde entram os canabinoides nessa discussão?
Embora o foco da pauta seja saúde ambiental, há pesquisas emergentes sugerindo que o Sistema Endocanabinoide participa da regulação de respostas ao estresse térmico e inflamatório. Essas são áreas potencialmente relevantes em futuras abordagens integradas de saúde em ondas de calor. Ainda não há indicações clínicas estabelecidas, mas trata-se de um campo em expansão que merece acompanhamento pelos profissionais da área.
Calor urbano exige vigilância clínica contínua
As ilhas de calor urbanas são um fenômeno crescente, agravado pelas condições climáticas atuais. Profissionais de saúde têm papel crucial na mitigação dos impactos, desde a educação dos pacientes até ajustes terapêuticos e prevenção de riscos. Em um país que vivencia mudanças abruptas de temperatura, compreender o impacto fisiológico do calor extremo é mais do que um tema ambiental, é uma necessidade clínica.

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